Coragem e Incidência do Povo Karipuna
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Estudos de caso

Coragem e Incidência do Povo Karipuna

Caminhos de Resistência – Série de Estudos de Caso

Esse estudo de caso apresenta como o Povo Indígena Karipuna de Rondônia, localizado no estado de Rondônia na Amazônia brasileira, promoveu, com o apoio de parcerias, estratégias de monitoramento territorial, campanhas de incidência e denúncias legais sobre o desmatamento e invasões em seu território, resultando na redução de 62% da taxa de desmatamento, sendo apresentado com destaque no programa integrado de capacitação na análise de crimes ambientais complexos e transnacionais, realizado por meio da Comissão do Meio Ambiente (CMA) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em parceria com a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa).

1. Vídeo do Estudo de Caso

2. O Estudo de Caso em Poucas Palavras

3. Leia o caso completo aqui

3.1. Contexto e Desafios

Informações Básicas

Povo Indígena: Karipuna
Localização: Estado de Rondônia, no sudoeste da Amazônia brasileira na região da fronteira com a Bolívia
Área: 153,000 hectares
População: Aproximadamente 60 pessoas
Principais atividades: Pesca e coleta de nozes
Parceiros locais do TOA envolvidos: Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

  • A Terra Indígena (TI) Karipuna está situada entre as cidades de Porto Velho e Nova Mamoré, no estado de Rondônia, em uma área de 153 mil hectares que foi homologada pelo governo brasileiro em 1998. O território se situa na zona fronteiriça entre Brasil e Bolívia, sendo parte da Amazônia Legal brasileira.
  • Atualmente, existem aproximadamente 60 indígenas Karipuna, enquanto que 22 vivem na aldeia Panorama situada dentro do território[1]. O contato com o povo Karipuna ocorreu em 1976, época na qual sua população foi reduzida a 8 pessoas, devido à implementação de empreendimentos de infraestrutura que dizimaram populações locais através de conflitos e doenças contagiosas.
  • Atualmente, de acordo com o Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Karipuna é a Terra Indígena mais ameaçada no Brasil por incêndios registrados no entorno do território (área de 5 km a partir da fronteira). Os focos de calor no entorno decorrem da existência de áreas de pastagem que circundam a Terra Indígena, assim, o processo de renovação dessas áreas inclui a queima da vegetação, o que resulta em focos de incêndio que são uma forte ameaça à biodiversidade e população do território.
  • Em 2020, a TI Karipuna foi a 9ª mais desmatada do Brasil e o território indígena mais desmatado no estado de Rondônia, com 1.082 ha de perda florestal registrados entre 2020 e 2019. Até 2014, quase não havia desmatamento no território. Entretanto, nesses últimos seis anos, houve 5.126,29 ha de desmatamento[2]. De acordo com o Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (PRODES), apenas em 2019, foram  desmatados 1.122,04 ha na TI Karipuna.
  • Os incêndios e desmatamento são resultado de quatro fatores inter-relacionados: invasores, madeireiros, grileiros e existência de áreas de pastagem e focos de incêndio no entorno do território. Além disso, as violações são agravadas por ameaças: em  2018,  segundo o Conselho Indigenista Missionário, houve o registro de duas ameaças a lideranças indígenas  da  TI  Karipuna (dados do relatório de violência contra os povos indígenas).
  • O desmatamento e a grilagem ficaram mais intensos a partir de 2016, mesmo ano da construção do Posto Indígena de Vigilância (PIV) da Fundação Nacional do Índio (Funai), localizado dentro do território Karipuna – financiada pela empresa Santo Antônio Energia, como contrapartida da construção da usina hidrelétrica Santo Antônio. Houve diversos ataques ao prédio desde 2017 e, em 2018, o PIV foi destruído por um incêndio criminoso, ação que se tornou um símbolo do ataque de madeireiros e grileiros ilegais no local. De acordo com representantes Karipuna, os invasores passaram a utilizar o Posto da Funai como abrigo e base para expandir suas atividades ilegais dentro do território.
  • Os empreendimentos governamentais para a construção da hidrelétrica de Santo Antônio e de Jirau, inauguradas em 2016, tiveram apoio do Banco Mundial e geraram impactos no território, como inundações.
Indígena Karipuna ao lado de madeiras extraídas ilegalmente em seu território (G1, 2019)
  • Nesse sentido, desde 2017, representantes do povo Karipuna, com o apoio de parceiros, têm realizado inúmeras denúncias às autoridades competentes e à comunidade internacional. Desde 2018, tais denúncias resultaram na realização de operações federais que culminaram na identificação de organizações criminosas e prisão dos responsáveis.

3.2. Estratégia: fatores-chave para superar os desafios 

  • Parcerias estratégicas: Considerando que a população Karipuna é reduzida, com poucas pessoas, as estratégias de defesa territorial são centradas no monitoramento territorial feito diretamente em campo pelos Karipuna e Cimi e, evitando o contato e confronto com invasores. Assim, as principais estratégias de defesa dos direitos e do território dos Karipuna são: coleta de evidências sobre atividades ilegais promovidas no território Karipuna; denúncias às autoridades competentes; incidência política e mobilização social através de campanhas de incidência nacionais e internacionais. Para todas essas ações, os Karipuna contam com parcerias estratégicas realizadas através da Associação Indígena do Povo Karipuna Abytucu Apoika (Apoika). Nesse sentido, se destacam parcerias com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e com o Greenpeace, no âmbito do programa Todos os Olhos na Amazônia.
  • Coleta de evidências pelo monitoramento territorial: Há muitos anos, o povo Karipuna promove ações de patrulha, monitoramento e mapeamento de seu território para identificar coordenadas georreferenciadas dos locais de invasão ou de atividades extrativas ilegais. É importante destacar a magnitude da dificuldade em realizar a patrulha de um território de 153 mil hectares a partir de uma população de apenas 60 pessoas. Há diversos desafios que vão desde a questão logística do deslocamento, necessitando de diferentes meios de transporte como barcos, cavalos, sobrevoos e, inclusive, à pé, além das questões de segurança como ataques de animais e potencial confronto com invasores. Também por esses motivos, o povo Karipuna conta com apoio de parceiros estratégicos para ações de monitoramento territorial. Em junho de 2018, Greenpeace, Cimi e uma liderança Karipuna realizaram sobrevoo pelo território Karipuna para identificar focos e a extensão do desmatamento. A partir dessa ação, puderam identificar a construção ilegal de estradas para acessar o território, além de verificarem amplas áreas de floresta alvos de extração de madeira e clareiras com grande volume de toras que seriam transportadas. Em fevereiro e julho de 2019, foram realizados novos sobrevoos, que identificaram a abertura de estradas clandestinas para escoamento da madeira ilegalmente extraída, além de pequenas instalações nas áreas próximas às vicinais. O monitoramento territorial feito por sobrevoo é complementado pela coleta primária de dados através de sistemas satelitais, como Sentinel B, Pancromática e PLANET (todos da Landsat / Engesat), que por sua vez, são complementados por dados disponibilizados pelos projetos Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER – INPE) e Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD – Imazon). A partir de tais monitoramentos, analistas de geoprocessamento do Greenpeace detectaram que pelo menos 7.640 ha de floresta foram degradados no território entre 2015 e 2018. É importante destacar que dos 10.463 ha de florestas degradados e desmatados dentro da TI Karipuna desde 1988 até 2018, mais de 80% ocorreram entre 2015 e 2018 – ou seja, houve uma forte intensificação das atividades extrativistas ilegais no território Karipuna nos últimos anos. Entretanto, esse cenário começa a ser revertido a partir do resultado das ações de monitoramento, denúncia, incidência política e campanhas de sensibilização. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, houve redução na derrubada ilegal de vegetação nativa de 49% em relação ao mesmo período do ano anterior, ficando em 580 hectares. Em relação aos valores registrados entre agosto de 2017 a julho de 2018, essa redução de desmatamento representa 62%.
Fotos georreferenciadas realizadas a partir de sobrevoos identificam áreas de desmatamento e roubo de madeira, construção ilegal de estradas e invasões dentro da TI Karipuna (2018) Fonte: Greenpeace
  • Incidência internacional: Um importante eixo de ação tem sido a promoção, via parcerias, de ações de comunicação e incidência nacional e internacional para a sensibilização de autoridades e da opinião pública sobre as violações ocorridas no território Karipuna. Por exemplo, em abril de 2018, a liderança Adriano Karipuna participou da 17ª Sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, onde fez um apelo à comunidade internacional pela proteção ao povo Karipuna. Na ocasião, o apelo foi acompanhado de uma denúncia enviada à então relatora especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, a qual incluía recomendações para que o governo brasileiro “desenvolva e priorize ações concretas para garantir proteção ambiental das terras indígenas e dos recursos naturais e para prevenir atividades ilegais”, entre outras medidas. Em outubro do mesmo ano, André Karipuna, Cacique dos Karipuna, reivindicou na sede da ONU, em Genebra, Suíça, a adoção de mecanismos para punir, civil e criminalmente, empresas nacionais e internacionais que violem os direitos humanos nos territórios indígenas onde atuam. A fala de André Karipuna foi realizada diante de representantes de mais de cem países, durante a 4a sessão do Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Empresas Transnacionais e outras Empresas de Negócios com respeito aos Direitos Humanos (OEIGWG) da ONU. Como continuidade às ações de incidência internacional, em outubro de 2019, Adriano Karipuna participou do Sínodo da Amazônia, no Vaticano, onde relatou as violações dos direitos indígenas, humanos e territoriais sofridas pelo Povo Karipuna.Tais ações de incidência são fortalecidas por campanhas internacionais de sensibilização promovidas pelas lideranças indígenas com apoio de organizações parceiras. Por exemplo, houve participação em manifestações promovidas nas embaixadas brasileiras de países europeus, buscando a sensibilização da comunidade internacional com a luta dos povos indígenas amazônicos pela preservação da floresta e de seus modos de vida. Finalmente, é importante ressaltar a importância do planejamento estratégico e articulação das ações de incidência. Por exemplo, a participação de Adriano Karipuna durante a 17ª Sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas da ONU em 2018, ocorreu paralelamente à realização do Acampamento Terra Livre (ATL) no Brasil. Nesse sentido, a cobertura midiática internacional do ATL fortalece, perante à comunidade internacional, as denúncias realizadas pela liderança na ocasião do Fórum Permanente.
Fala de Adriano Karipuna durante a 17ª Sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas das Nações Unidas, em Nova Iorque (2018) Fonte: Cimi
  • Tais ações de incidência são fortalecidas por campanhas internacionais de sensibilização promovidas pelas lideranças indígenas com apoio de organizações parceiras. Por exemplo, houve participação em manifestações promovidas nas embaixadas brasileiras de países europeus, buscando a sensibilização da comunidade internacional com a luta dos povos indígenas amazônicos pela preservação da floresta e de seus modos de vida. Finalmente, é importante ressaltar a importância do planejamento estratégico e articulação das ações de incidência. Por exemplo, a participação de Adriano Karipuna durante a 17ª Sessão do Fórum Permanente sobre Assuntos Indígenas da ONU em 2018, ocorreu paralelamente à realização do Acampamento Terra Livre (ATL) no Brasil. Nesse sentido, a cobertura midiática internacional do ATL fortalece, perante à comunidade internacional, as denúncias realizadas pela liderança na ocasião do Fórum Permanente.
  • Incidência local: Paralelamente às ações de denúncia internacional, os Karipuna e seus parceiros estratégicos articularam a promoção de manifestações em Porto Velho em 2018, para sensibilizar autoridades sobre a retirada de invasores e sobre a proteção permanente do território. Além disso, em abril de 2019, foi realizado o I Encontro da Terra Karipuna, com o lema “Defender a terra é defender a vida dos povos indígenas”. O evento, apoiado pelo Greenpeace e pelo Cimi, contou com a participação de 18 povos de Rondônia, do noroeste do Mato Grosso e do sul do Amazonas, e teve como objetivo “fortalecer a luta e a resistência do povo Karipuna na defesa de sua terra tradicional”. Na ocasião, cada representante compartilhou os desafios enfrentados em seu território e, ao final do encontro, concluíram que as dificuldades enfrentadas pelo povo Karipuna são as mesmas enfrentadas em outras terras indígenas da Amazônia. Como resultado do evento, houve aproximação dos Povos indígenas de Rondônia com o MPF-RO, além da produção, pelos representantes dos povos indígenas, da Mensagem Final do I Encontro da Terra Indígena Karipuna, apresentando as principais violações e demandas do movimento indígena amazônico do Brasil.
Lideranças dos 18 povos que participaram do I Encontro da Terra Karipuna (2019) Fonte: Greenpeace
  • Denúncias às autoridades competentes: Desde 2017, as lideranças do território têm denunciado as invasões e atividades ilegais acontecendo na TI Karipuna ao Ministério Público Federal (MPF). Tais denúncias são corroboradas pelas evidências coletadas com apoio de parceiros estratégicos e apresentadas às autoridades competentes. Como resultado do sobrevoo e monitoramento via satélite realizado pelos Karipuna, Greenpeace e CImI em julho de 2018, foi protocolada uma denúncia no Ministério Público Federal de Rondônia (MPF-RO), sobre a subnotificação da perda de floresta no território Karipuna, e também sobre a intensificação de atividades extrativistas no território nos últimos anos. A denúncia também foi enviada ao Ministério da Justiça (MJ), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Nacional do Índio (Funai), e resultou em uma cooperação técnica entre o MPF-RO, Cimi e Greenpeace para a troca de informações sobre invasões ocorridas na TI Karipuna. Além disso, tal denúncia resultou em reunião entre o então Ministro da Justiça Torquato Jardim, com as lideranças André e Adriano Karipuna, acompanhados do Cimi. Na ocasião, o Ministro se comprometeu a acionar a Polícia Federal para investigar a situação.  Anteriormente, Cimi e Greenpeace já haviam protocolado outras denúncias ao MPF-RO sobre a depredação do PIV da Funai no território Karipuna, além de outras denúncias realizadas em 2019. Como resultado dessas ações, houve resposta positiva por parte do MPF-RO, que tomou medidas para encaminhar legalmente a proteção do povo Karipuna. Por exemplo, em 2018, o Ministério declarou o risco de genocídio do povo Karipuna e, no início de 2019, encaminhou ofício ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos solicitando providências urgentes para conter a invasão da TI Karipuna, considerando que a situação “vem se agravando, podendo tornar-se insustentável, com risco concreto de desencadear conflitos sangrentos, notadamente em prejuízo às populações tradicionais vulneráveis”.
André e Adriano Karipuna denunciam ao então Ministro da Justiça Torquato Jardim, focos de grilagem e extração ilegal de madeira dentro do seu território (Ministério da Justiça, 2018)
  • Investigações e Operações: As denúncias reiteradamente promovidas pelos Karipuna, inclusive em instâncias internacionais, e formalmente protocoladas pelo Greenpeace e Cimi no MPF-RO e também a outras autoridades, resultaram na determinação pela Justiça Federal da proteção em caráter de urgência do povo Karipuna, em 2018. A partir desse evento, houve a articulação do MPF, da Polícia Federal (PF) e do Exército Brasileiro em uma série de operações para investigar e proteger a Terra Indígena e o Povo Karipuna das invasões e ameaças. Em abril de 2019, essa articulação foi consolidada pelo MPF na Força-Tarefa Amazônia. Algumas dessas investigações e operações são apresentadas a seguir: 
    • Realizada em setembro de 2018, a primeira de uma série de ações federais desenvolvidas foi a Operação Kuraritinga, liderada pelo MPF e PF, com apoio da Funai e da Polícia Militar Ambiental. A Operação identificou que propriedades rurais localizadas na fronteira do território Karipuna eram utilizadas para armazenar maquinários para a extração ilegal de madeira. O foco desta operação, segundo a Polícia Federal, foi identificar quem, efetivamente, financia estas invasões, incentivadas pela promessa de que haverá a regularização de loteamentos dentro da TI Karipuna. Ainda segundo a investigação, ficou evidente que agricultores não envolvidos com as atividades criminosas são ameaçados pelos madeireiros para colaborar com eles. Ainda no âmbito da Operação, em janeiro de 2019, um contingente de 50 policiais federais e soldados do Exército cumpriu mandados de busca e apreensão na fronteira do território Karipuna, com o confisco de um trator e uma pá carregadeira utilizados para retirar madeira de dentro da TI. Nessa ocasião, também houve reunião com os representantes da Operação, MPF-RO, Funai, Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, do governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha, e com representantes do povo Karipuna. Na ocasião, as autoridades se comprometeram a unir forças no sentido de implementarem diálogo e ações integradas e contínuas contra as invasões na TI Karipuna. 
    • Em junho de 2019, a Operação SOS Karipuna mobilizou mais de 500 militares, policiais e servidores públicos com o objetivo de desarticular organizações criminosas instaladas na região do território Karipuna. Um dos focos da Operação foi detectar os responsáveis por ações ilegais de grilagem (apropriação ilegal de terras), loteamento e comercialização de áreas no interior da TI Karipuna. De acordo com a Polícia Federal e com o MPF, grileiros e invasores articulados através da Associação dos Produtores Rurais de Boa Esperança (Asprube) e da empresa de georreferenciamento “Amazon Gel”, enganavam potenciais compradores de lotes de terra dentro do território Karipuna, com a falsa garantia de regularização fundiária, dizendo que o terreno “não era mais terra indígena”. A Operação também identificou a prática de “lavagem de madeira”, que consiste em esquema ilegal de obtenção de créditos virtuais para a comercialização de madeira extraída da TI Karipuna através do Sistema de Emissão de Documento de Origem Florestal (Sisdof). Ou seja, através da inserção de dados falsos no sistema do Ibama, dá-se um aspecto de regularidade para a comercialização de madeiras retiradas ilegalmente dentro da TI Karipuna. Como resultado da ação, foram expedidos mais de 50 mandados de prisão temporária, prisão preventiva e de busca e apreensão, além de mais de 20 medidas como quebras de sigilo bancário, suspensão das atividades e lacração de estabelecimentos, e o sequestro de mais de R$ 46 milhões de bens dos investigados. 
    • No auge da pandemia do novo coronavírus, em abril de 2020, indígenas Karipuna avistaram quatro invasores limpando uma área de floresta a menos de dez quilômetros da Aldeia Panorama, onde vivem e onde estavam em isolamento, buscando se proteger da pandemia, fato que ilustra como as ações de invasores não diminuíram durante a quarentena. Nesse cenário, em outubro de 2020, a Polícia Federal realizou ação para prender nove pessoas suspeitas de provocar queimadas e desmatar a TI Karipuna, identificadas desde a implementação da Operação SOS Karipuna. Essa ação fez parte da Operação Kawyra, promovida em conjunto com a Funai e o Exército Brasileiro. 
  • De acordo com o MPF, através dessas investigações e operações, foi possível identificar o modus operandi das organizações criminosas que atuam em outras invasões no estado de Rondônia. O processo da tentativa de grilagem da terra tem início na extração madeira, com a abertura de vicinais para facilitar a retirada  da  matéria-prima, seguido do desmatamento que pode incluir o processo de queimada para “limpeza” da área. Em geral, essas organizações agem a partir da criação de uma associação que pleiteia a regularização de vastos territórios no interior de terra indígena ou unidade de conservação; empregam um “especialista” em georreferenciamento para promoção do parcelamento dos lotes, com demarcação e fixação das divisas e apelo a supostos instrumentos jurídicos (alusão a programas de regularização de posse, entre outros), os quais confeririam aparência de legalidade e transmitiriam a ideia de que a terra a ser adquirida estaria em processo de ser regularizada; finalmente, tais ações realizam a cooptação de interessados, principalmente na própria região, que pagariam pelo simples fato de estarem associados, pela compra dos lotes ou por serviços de regularização e, ainda, pelo georreferenciamento e colocação de demarcações nos lotes
Mapa apreendido durante Operação SOS Karipuna demonstra o loteamento da área que grileiros e invasores pretendiam vender ilegalmente dentro da TI Karipuna (2019) Fonte: Greenpeace
  • Cobertura midiática: As parcerias entre a Apoika, Cimi e Greenpeace também são muito importantes para garantir a visibilidade sobre as violações sofridas pelo Povo Karipuna, a partir da articulação com grandes veículos de mídia nacional e internacional. Nesse sentido, em fevereiro de 2019, o Greenpeace promoveu uma viagem de mídia com a Time Magazine ao território Karipuna, onde jornalistas puderam ter acesso à luta Karipuna a partir da narrativa de suas próprias lideranças e documentar, in loco, as degradações causadas no território por invasores ilegais. A viagem resultou em reportagem que compôs a edição especial da Time Magazine sobre mudanças climáticas e sobre o desmatamento na floresta amazônica. Também em parceria com o Greenpeace, houve em 2019, uma viagem de mídia do canal alemão TV ARD, para cobertura do I Encontro da Terra Karipuna. Através dos parceiros, também houve articulação com BBC, Al Jazeera, entre outros veículos, que resultaram em reportagens que apoiam a disseminação das demandas dos Karipuna e a sensibilização da audiência nacional e internacional.
  • Ancestralidade, união e liderança feminina: Os desafios enfrentados na Terra Indígena Karipuna são também comuns a outros territórios indígenas e tradicionais da região da Bacia Amazônica. Entretanto, soma-se o fato de os Karipuna terem uma população de apenas 60 pessoas. Assim, o sucesso das estratégias empreendidas dependeu fundamentalmente da união e organização da comunidade para que, em conjunto, pudessem estruturar ações de monitoramento territorial, de coleta de evidências, articulação com organizações parceiras, denúncia às autoridades e promoção de campanhas de sensibilização. No caso dos Karipuna, essa união é simbolizada na figura de Katiká Karipuna, matriarca da comunidade que tem refletida em sua história os anos de resistência e que representa a coragem e união do Povo Karipuna que, após chegar próximo à extinção após o contato na década de 1970, se agigantou na luta de defesa por seu território contra o crime organizado.
Katiká Karipuna, matriarca que representa a força e luta do Povo Karipuna (Rogério Assis / Greenpeace, 2018)

3.3. Benefícios: Valor agregado e impactos do caso

  • Parcerias estratégicas: É sabido que para que ações de proteção territorial sejam mais efetivas, o apoio de parceiros é fundamental, principalmente para a ampliação de estratégias e alcance mais amplo das ações de denúncia e incidência. Entretanto, isso se torna ainda mais evidente em casos como do Povo Karipuna que, por ter uma população bastante reduzida (60 pessoas), há ainda mais limitações para promover ações de defesa territorial sem contar com o apoio estratégico de aliados. Nesse sentido, ao promover ações colaborativas, há uma troca de aprendizagens e um amadurecimento mútuo entre o movimento indígena e organizações da sociedade civil, que podem facilitar a promoção de estratégias semelhantes em outros casos de proteção territorial e de direitos.
  • Coleta de dados: A coleta de dados promovida em ações de monitoramento territorial através da colaboração com parceiros estratégicos é fator fundamental ao sucesso das ações legais promovidas pela proteção dos direitos dos Karipuna até o momento. Os dados e evidências são cruciais para verificar a dimensão, localidade e autores das atividades ilegais que acontecem no território, além de possibilitarem embasamento factual para as denúncias às autoridades competentes. Além disso, conforme comprovado por monitoramento por dados satelitais realizado em parceria com o Greenpeace, é fundamental que as comunidades indígenas e sociedade civil promovam, sempre que possível, monitoramento territorial independente, a fim de viabilizar uma melhor compreensão da dinâmica de degradação ambiental do território, e assim orientar melhor a ação prática de incidência política em defesa da proteção do território. Finalmente, ações de monitoramento através do uso de tecnologias são especialmente benéficas a comunidades indígenas como os Karipuna que, por apresentarem população reduzida, têm maiores limitações em promover o monitoramento em campo, por questões de segurança em eventuais confrontos com invasores.
  • Aplicação da lei e replicabilidade: Um dos maiores legados do caso Karipuna está no reconhecimento pelo Ministério Público Federal de Rondônia e pela Polícia Federal, de que é imperioso que o combate ao crime organizado que atua no interior e no entorno das terras indígenas da Amazônia seja a prioridade inicial do Estado brasileiro. Ainda que tal fator represente o cumprimento do papel institucional de tais órgãos, infelizmente, tal ação não é verificada em muitos casos na região da Bacia Amazônica, onde a inércia do Estado resulta em um agravamento das violações de direitos ocorridas nos territórios. Além disso, as investigações, operações e ações legais promovidas nos últimos anos no território Karipuna possuem grande potencial de escalabilidade e replicabilidade a outras iniciativas contra atividades criminosas promovidas em outras terras indígenas de Rondônia e da Amazônia brasileira. De acordo com o MPF, há a perspectiva de replicar o modelo de atuação da Ação SOS Karipuna na defesa das demais áreas protegidas do estado de Rondônia, como é o caso da TI Uru Eu Wau Wau, que sofre constantemente com exploração ilícita e grilagem por organizações criminosas.

4. Linha do Tempo


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