Diálogo com o Estado e o fortalecimento territorial dos PUINAMUDT
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Estudos de caso

Diálogo com o Estado e o fortalecimento territorial dos PUINAMUDT

Caminhos de Resistência – Série de Estudos de Caso

Este estudo de caso mostra como as federações (FEDIQUEP, FECONACOR, ACODECOSPAT e OPIKAFPE) que representam as comunidades indígenas das Quatro Bacias dos rios Pastaza, Tigre, Corrientes e Marañón, na região de Loreto, ao norte da Amazônia peruana, impulsionaram, de forma unificada por meio de sua Plataforma PUINAMUDT e em parceria com aliados estratégicos, ações de organização, incidência nacional e internacional, mobilizações e campanhas, e negociação com o Estado, para defender seus direitos contra a poluição e as violações que sofrem devido à exploração petrolífera em seu território desde os anos 70, conseguindo ter participação indígena em iniciativas de diagnóstico e soluções para as ameaças enfrentadas.

1. Vídeo do Estudo de Caso

2. O Estudo de Caso em Poucas Palavras

3. Leia o caso completo aqui

Información Básica

Povos Indígenas: Quechua do Pastaza, Achuar do Corrientes, Kukama do Marañón, Kichwa do Tigre, e Urarina do rio Chambira
Localização: Região de Loreto, ao norte da Amazônia peruana
Área: 694.695 hectares, aproximadamente
População: 98 comunidades indígenas, aproximadamente
Principales atividades: Caça, pesca, comércio, agricultura familiar e empresas comunitárias
Parceiros locais do TOA envolvidos: PUINAMUDT y Perú Equidad
Site: https://observatoriopetrolero.org/

3.1. Contexto e Desafios

  • A plataforma dos Povos Indígenas Amazônicos Unidos na Defesa de seus Territórios (PUINAMUDT) é composta de quatro federações que, juntas, representam um total de 98 comunidades indígenas da região de Loreto, situada ao norte da Amazônia peruana, em uma área de aproximadamente 694.695 hectares. Essas comunidades pertencem aos povos indígenas Quechua do rio Pastaza, Achuar do rio Corrientes, Kukama do rio Marañón, Kichwa do rio Tigre e Urarina do rio Chambira, que vivem entre as quatro bacias dos rios Pastaza, Tigre, Corrientes e Marañón. 
  • Há 50 anos, essas comunidades sofrem violações dos direitos fundamentais, incluindo danos a sua saúde e contaminação de suas fontes de água e alimentos, como resultado das atividades de exploração de petróleo em seus territórios: nos locais chamados Bloco 8 e Bloco 192 (antigo Bloco 1AB), que se sobrepõem aos territórios ancestrais dessas comunidades indígenas. 
  • O Bloco 8 foi operado pela empresa nacional Petroperú entre 1971 e 1996. Depois, a empresa argentina PlusPetrol Norte S.A., subsidiária da PlusPetrol Resources com sede na Holanda, assumiu a operação do mesmo Bloco de 1996 até o presente, sob um contrato de concessão. Em 2021, a PlusPetrol anunciou sua liquidação como empresa antes do final de seu contrato de concessão. Por sua vez, o Bloco 192 foi operado pela empresa americana Occidental Petroleum Company (OXY) entre 1971 e 2000, e depois pela PlusPetrol Norte de 2001 a 2015 sob contratos de concessão. De 2015 a fevereiro de 2021, a empresa canadense Frontera Energy operou o Bloco 192 sob um contrato de prestação de serviços.

“Não somos pobres, mas eles nos empobreceram, roubaram nosso território”

Alfonso López, presidente da organização indígena cocama ACODECOSPAT
  • O Bloco 192 representa a área de maior produção de petróleo no Peru, com uma média diária de 10.000 barris de petróleo por dia (17% da produção de petróleo do Peru). Sua produção é normalmente oferecida em licitações internacionais, sendo vendida ao maior licitante do mercado internacional, tendo registrado vendas principalmente para a refinaria La Pampilla (Peru), Chile, Estados Unidos e Coréia do Sul, de acordo com a Perupetro. Por sua vez, o Bloco 8 é um dos que têm mais reservas de petróleo no país. Ambos os blocos são os mais antigos na selva peruana.

Localização dos Blocos 8 e 192 nas Quatro Bacias

Localização dos Blocos 8 e 192 para exploração petrolífera da PlusPetrol na área de influência direta e indireta das comunidades das Quatro Bacias (PUINAMUDT)
  • As 98 comunidades impactadas pelas operações dos Blocos 8 e 192 e pelo Oleoduto NorPeruvian Oil Pipeline (ONP) estão representadas por quatro federações: Federação Indígena Quechua do Pastaza (FEDIQUEP); Federação de Comunidades Nativas da Bacia Corrientes (FECONACOR); Associação Cocama para o Desenvolvimento e Preservação de San Pablo de Tipishca (ACODECOSPAT); Organização do Povo Indígena Kichwa Amazônico da Fronteira Peru-Equador (OPIKAFPE). Desde 2011, essas federações se articulam por meio da plataforma PUINAMUDT. Em 2017, as quatro federações receberam o Prêmio Nacional de Direitos Humanos no Peru, em reconhecimento por seus anos de luta para defender os direitos das nacionalidades indígenas afetadas por quase meio século de exploração de petróleo.
  • Na região, as principais formas de poluição oriundas das atividades extrativas de petróleo têm sido: despejo de águas tóxicas de produção altamente poluídas (com alta concentração de metais pesados, sais tóxicos e hidrocarbonetos) nas principais nascentes de água e rios dos territórios; constantes vazamentos de petróleo; práticas de reparação deficientes (como a queima ou a remoção de terra em locais contaminados); bem como lixões das empresas. Isso vem ocorrendo há décadas por causa da falta de supervisão ambiental, frágil proteção de direitos, falta de manutenção ou mudança de infraestrutura das operações que atravessam territórios indígenas (o que gera derramamentos), e ausência de medidas eficazes de compensação ambiental e de reparação. A isso também deve ser acrescentado o fraco, insuficiente e disperso marco normativo no Peru, que não garante proteção ambiental nem direitos frente aos impactos das empresas extrativistas.
  • No processo de negociação com o governo para obter uma resposta às violações de direitos do povo Achuar, foi realizado em 2006 o primeiro compromisso formal do Estado e da empresa operacional (na época a PlusPetrol, para os dois blocos) com as comunidades, mediante a celebração do Acordo de Dorissa. Esse acordo, entre outras medidas, estabeleceu que a PlusPetrol deveria disponibilizar 40 milhões de sóis em 10 anos para melhorar a saúde da população na área de extração de petróleo, enquanto o governo regional deveria liberar 11 milhões de sóis para vários projetos de desenvolvimento. Os compromissos não foram totalmente cumpridos. Com o Acordo de Dorissa, o povo Achuar garantiu o compromisso de iniciar e implantar seu próprio programa de Vigilância Ambiental Indígena Independente, uma experiência que também foi iniciada em outras bacias hidrográficas.
  • Em 2015, após vários anos de reivindicações e mobilização indígenas, o Estado peruano realizou um processo de consulta prévia para a concessão do Bloco 192 para os próximos 40 anos. O processo foi concluído desrespeitando o direito dos povos à consulta prévia, impedindo a possibilidade de diálogo sobre outras questões de segurança socioambiental e direitos, já que o Ministério de Minas e Energia impôs um único item da agenda: aceitar apenas 0,75% dos recursos gerados pela produção petrolífera para alimentar um Fundo Social que seria destinado a projetos comunitários. Como a maioria das comunidades não concordava com essa condição, imposição e abuso, o Ministério de Minas e Energia decidiu inesperadamente encerrar o processo e selar seu acordo com uma minoria de comunidades. Depois desses eventos, passados 15 dias de mobilização indígena e paralisação da produção de petróleo, o Estado chegou a acordos com as comunidades para garantir melhores condições para o enfrentamento dos problemas em seus territórios.Após uma longa luta (envolvendo mobilizações comunitárias em 2017, 2018 e 2019), que está resumida neste Estudo de Caso, um novo processo de Consulta Prévia fica garantido para o próximo contrato de concessão do Bloco 192. Esse novo processo foi retomado em 2019 com um novo Plano de Consulta Prévia; entretanto, ele foi unilateralmente interrompido pelo Ministério de Minas e Energia. No final de 2020, com base nas exigências apresentadas conjuntamente pelas federações que integram a PUINAMUDT, foi feito um adendo ao Plano de Consulta, incorporando a participação de outros setores governamentais (tais como saúde; habitação, construção e saneamento; e transporte e comunicações), para assegurar respostas a partir de uma perspectiva integral em um processo de Consulta Prévia que será retomado em 2021. Além disso, é importante mencionar que, para o novo processo, há compromissos formais do Estado com relação às comunidades, como o do Vice-Ministro de Hidrocarbonetos, Victor Murillo Huamán, de que não haverá progresso nas novas operações do Bloco 192 até que seja concluída uma Consulta Prévia satisfatória para todas as partes envolvidas. Sem dúvida, após o surto da chamada “segunda onda” da COVID-19 no Peru, o processo foi novamente suspenso.
Lago Shanshococha coberto de petróleo devido à vazamento da PlusPetrol (FECONACO, 2012)
O caso emblemático do lago Shanshococha, na região do rio Pastaza, ilustra a irresponsabilidade socioambiental da empresa PlusPetrol e a magnitude dos danos causados. Em 2012, organizações indígenas informaram às autoridades peruanas que o lago estava completamente coberto de petróleo. Em uma tentativa de atenuar sua responsabilidade pelo derramamento, ao saber que uma comissão do Congresso ia fazer uma visita para verificar a denúncia, a empresa PlusPetrol drenou o lago, fazendo-o desaparecer. Essa ação foi tomada sem aviso prévio ao governo peruano. Este caso é emblemático porque demonstra a prática frequente da empresa, denunciada reiteradamente por organizações indígenas, de tentar ocultar filtrações e poluição produzidas por ela própria.
  • Embora a operação do Bloco 192 tenha sido paralisada diante da pandemia de COVID-19, os vazamentos de petróleo continuaram a ocorrer, pois se calcula que a empresa não realizou a manutenção adequada das instalações: houve 14 derramamentos de petróleo entre março de 2020 e janeiro de 2021.
  • Em 16 de dezembro de 2020, a PlusPetrol Norte anunciou publicamente sua liquidação, e com isso sua retirada do Bloco 8, sob a alegação de que a Agência de Avaliação e Fiscalização Ambiental (OEFA) exige que ela recupere os passivos ambientais deixados pela empresa que operava na mesma área antes da chegada da PlusPetrol Norte. Em 30 de dezembro de 2020, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério de Minas e Energia e a OEFA anunciaram que, com relação ao marco legal peruano, a PlusPetrol Norte S.A. deverá assumir os direitos e obrigações do cedente devido à posição assumida pela PlusPetrol nos contratos de concessão para a operação dos Blocos 8 e 192, nos quais a PlusPetrol tinha assumido a obrigação de cumprir com as disposições vinculantes. Até o momento, a OEFA determinou que a PlusPetrol Norte é responsável por mais de 1.500 impactos identificados na área desses blocos e, por não ter realizado a respectiva reparação, a OEFA impôs mais de 4.000 UIT (Unidade Impositiva Tributária) de multas compulsórias (equivalentes a mais de 4,8 milhões de dólares), além das respectivas sanções. A PlusPetrol abandonaria o Bloco 8 com uma série de compromissos pendentes com as comunidades indígenas da região.

3.2. Estratégias: fatores-chave para superar os desafios

  • União, organização e estrutura de incidência articulada: As federações que representam as comunidades indígenas da região das Quatro Bacias foram criadas na década de 90, com o objetivo de se mobilizar para reivindicar respostas às violações de seus direitos e à poluição ambiental que ocorrem em seus territórios e seus efeitos sobre a saúde das comunidades. Apesar de pertencerem a diferentes povos indígenas e bacias hidrográficas, essas comunidades e respectivas federações, afetadas pelos mesmos impactos e pelos mesmos atores (empresas petrolíferas e o Estado peruano), decidiram se unir em uma única plataforma para desenvolver uma pauta comum e coordenar estratégias e ações conjuntas, criando assim a plataforma PUINAMUDT em 2011.

“O governo está disposto a dialogar, mas nós não conhecemos suas mentes, seus corações, e em que estão pensando se apenas agora nos ouvem”

Aurelio Chino, presidente da Federação Indígena Quechua do Pastaza (FEDIQUEP)
  • Identificação de limitações e diagnóstico inicial da situação: com localização em uma região de fronteira sem uma forte presença institucional do Estado, as demandas e exigências das comunidades e organizações foram inicialmente dirigidas apenas à empresa responsável pelas atividades extrativistas, por aqueles danos que eram mais evidentes. Entretanto, diante da inércia da empresa, do agravamento dos conflitos e da compreensão da magnitude do problema, as comunidades e suas federações perceberam a necessidade de incentivar ações de influência política voltadas ao Estado, além das demandas dirigidas à PlusPetrol. No início do processo de diálogo com o Estado peruano, os representantes da PUINAMUDT constataram que, entre outros pontos, o Estado não tinha informações completas, detalhadas, organizadas e integrais sobre a situação real nos territórios, em muitos casos porque sua principal fonte de informação sobre a situação ambiental eram as próprias empresas petrolíferas. Constataram também que as supervisões das autoridades do setor eram muito favoráveis às empresas. Além das limitações técnicas, o Estado também estava sujeito ao alto poder de influência exercido pela empresa. Neste cenário de carência de informações, falta de transparência e de registro no local da grande magnitude dos impactos, as federações conseguiram pressionar o Estado a abrir, em 2012, um espaço de diálogo multissetorial, com a finalidade de obter respostas e iniciativas abrangentes para a situação. Como alguns líderes apontaram, as comunidades ensinariam ao Estado como fazer seu trabalho.
Vazamento de petróleo no território Achuar na bacia de Corrientes, Bloco 192 (PUINAMUDT, 2015)
  • Mobilizações e negociação com o Estado: após vários e constantes protestos, em 2012, no marco da mobilização pacífica na comunidade Alianza Topal, com a presença do Ministro da Saúde, do Ministro do Meio Ambiente, do presidente do Governo Regional de Loreto, da Defensoria do Povo, e dos apus (líderes) das comunidades, foi oficializada a criação de uma Comissão Multissetorial, que vigora até hoje e tem servido para institucionalizar o diálogo e articular a pauta entre diferentes setores.  O espaço também serviu para propiciar uma perspectiva integral das respostas e problemas enfrentados pelas comunidades, reconhecendo-os como problemas ambientais e sociais e envolvendo autoridades do alto escalão de diferentes frentes do setor público. Uma importante conquista desse processo de diálogo institucional entre o Estado e as federações é o Acordo de Lima, assinado em 10 de março de 2015, que garante a elaboração de vários diagnósticos, estudos e planos realizados pelos órgãos técnicos estatais. Entretanto, mais de cinco anos após a assinatura do acordo, sua implementação atingiu 35%, segundo as federações indígenas da PUINAMUDT. Mesmo assim, o acordo tem permitido importantes marcos e avanços no processo:
  • Além disso, através de acordos, foram formalizados compromissos estatais que representam respostas e iniciativas para problemas específicos, reconhecendo a violação dos direitos sociais, especialmente nas áreas ambiental, sanitária e outras. Da mesma forma, em resposta à solicitação de participação ativa nos processos de planejamento, acompanhamento, monitoramento dos compromissos assumidos e fiscalização da aplicação dos recursos que seriam destinados às ações em resposta às violações. Igualmente, outros marcos alcançados são de natureza normativa, já que a experiência do Estado com a PUINAMUDT permitiu elevar alguns dos Padrões de Qualidade Ambiental (ECA) do solo, em nível nacional, bem como influenciar a criação de leis, tais como o Fundo de Contingência para Reparação Ambiental (Lei Nº 30321), entre outros.

Estamos aqui nesta luta primeiro para ensinar à empresa, porque se você não lhe disser o que lhe fez de mal, ela fará o que quiser. E assim, aprenderá, também, o Estado que deu permissão a uma empresa irresponsável, e nunca mais permitiremos que isso aconteça

Julio Maynas, apu (cacique) da comunidad nativa Achuar de Nueva Jerusalén
  • Papel dos monitores ambientais das federações na coleta de dados e informações precisas sobre a situação: desde 2006, ante a inércia das empresas e do Estado em fornecer informações sobre os níveis de poluição, os monitores territoriais das comunidades relativamente aos Blocos 1AB e 8 têm sido os principais responsáveis pela coleta de dados, fornecimento de informações e apresentação de denúncias ambientais sobre vazamentos de petróleo e poluição nas áreas petrolíferas, em um trabalho que consiste na vigilância e controle do território indígena a partir de uma perspectiva integral. Com base em seu conhecimento territorial detalhado, e contando com o apoio de instituições internacionais especializadas que os treinam e acompanham, os monitores indígenas realizam seu trabalho equipados com GPS, smartphones e drones para filmar, fotografar e identificar locais poluídos. As informações coletadas pelos monitores indígenas são enviadas a suas respectivas federações, que, em conjunto e por meio da PUINAMUDT, alertam as autoridades nacionais e exigem uma reparação adequada por parte dos órgãos competentes. É importante destacar que, nos últimos anos, a participação das mulheres nas atividades de monitoramento territorial aumentou, além de seu crescente papel como autoridades comunitárias (como apus e tenentes) e, sobretudo, como porta-vozes das federações que integram a PUINAMUDT. Os dados compilados nas ações de monitoramento são uma base importante não apenas para apoiar campanhas de incidência, mas também para promover investigações por parte das autoridades governamentais. Por exemplo, graças ao trabalho dos monitores ambientais da ACODECOSPAT na bacia do Marañón, um órgão ambiental pôde entrar no Bloco 8, na Reserva Nacional Pacaya Samiria, para realizar uma inspeção ambiental que resultou em uma multa de 29 milhões de sóis para a empresa PlusPetrol em 2013. Os monitores dos programas indígenas independentes de monitoramento ambiental conseguiram registrar até 1.209 locais contaminados e 51 corpos de água poluídos no Bloco 1AB (agora Bloco 192). Um estudo da Diretoria Regional de Saúde de Loreto (2009) detectou a presença de hidrocarbonetos nas águas da Bacia de Corrientes a taxas 10 vezes acima daquelas permitidas internacionalmente. O trabalho e a contribuição dos monitores ambientais indígenas é reconhecido por instituições como a Agência de Avaliação e Fiscalização Ambiental (OEFA) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre outras. Em 2018, os programas indígenas de monitoramento ambiental da FEDIQUEP, FECONACOR e OPIKAFPE foram agraciados com o prêmio “Conectarse para Crecer” da Fundación Telefónica.
  • Participação das federações em diagnósticos governamentais, tanto em nível de impacto ambiental quanto de saúde: em 2016, foi realizado o Estudo Toxicológico Epidemiológico, com a coleta de amostras de sangue, urina e alimentos, além de amostras ambientais de solo e água. Esse trabalho, realizado por especialistas do Ministério da Saúde, envolveu a participação das federações das Quatro Bacias na elaboração do estudo, desde o início até a entrega do relatório final. Além disso, cada aldeia contou com um intérprete, cada um deles nomeado e apoiado pelas federações. Como resultado, verificou-se que a população localizada a menos de 50 km da atividade petrolífera foi a que, em sua maioria, excedeu os valores máximos de referência de metais pesados permitidos nas regulamentações nacionais e internacionais. Também foi constatado que a população de crianças menores de 12 anos foi a mais afetada. Por exemplo, 47,8% dessa população apresentavam níveis de arsênico na urina acima dos valores de referência nacionais.  Em Corrientes, uma criança com menos de 12 anos apresentou seis vezes o valor máximo de referência de arsênico da regulamentação nacional. Em Pastaza, uma criança com menos de 12 anos apresentou 4 vezes o valor de referência nacional para chumbo em sangue em crianças menores ou até de 12 anos de idade (10ug Pb/dL em sangue; embora, internacionalmente, o limite de referência seja de 5ug Pb/dL em sangue). De fato, somente na região do Bloco 192, 2.722 barris de petróleo foram derramados no curto período entre 2009 e 2011. De acordo com um relatório da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos e da Oxfam, 1.209 locais foram impactados pela atividade petrolífera nos dois blocos. Trinta e duas dessas áreas contêm material poluído suficiente para encher 231 estádios de futebol. Entre 2000 e 2009, houve 189 vazamentos de petróleo nos Blocos 192, 155 e 8.  Também na área da saúde, em dezembro de 2020, por exigência das federações indígenas como parte dos compromissos assumidos pelo Estado, o Ministério da Saúde publicou o relatório Análise da Situação de Saúde nas Bacias de Pastaza, Corrientes, Tigre, Marañón e Chambira, um projeto de pesquisa de dois anos de duração realizado nos territórios de comunidades. Por outro lado, graças à luta e demandas das federações indígenas, as autoridades ambientais peruanas realizaram as primeiras avaliações ambientais abrangentes com participação indígena nos blocos 1AB e 8, entre 2012 e 2013, depois de mais de 40 anos de atividade petrolífera. Essas avaliações foram a base de sucessivas declarações de emergência ambiental e sanitária nas Quatro Bacias.
Monitores territoriais da FEDIQUEP coletam amostra de água para avaliar sua qualidade e nível de poluição (Digital Democracy, 2014)
  • Campanhas de comunicação: uma das estratégias adotadas pela plataforma PUINAMUDT para reverter ações contrárias a seus direitos tem sido campanhas de comunicação com o objetivo de divulgar suas demandas. Nesse sentido, a plataforma tem sido eficaz na promoção de campanhas direcionadas para demandas específicas, tendo a empresa ou o Estado peruano como público-alvo, mas também na promoção de campanhas mais abrangentes que visam conscientizar a população em geral sobre sua causa. As campanhas são planejadas em etapas: informação; divulgação; conteúdo e incidência (com componentes de mobilização gráfica, digital e de rádio); e comunicação da mobilização (ações territoriais), que são desenvolvidas de forma integrada em estruturas temáticas para estratégias específicas do processo de Consulta Prévia, incluindo mobilizações pacíficas com forte presença das comunidades e outros protestos, mesmo em Lima. Como exemplo, em 2018, a campanha ‘PlusPetrol, limpe JÁ!’ (¡PlusPetrol, limpia YA!) tinha como finalidade cobrar pela reparação ambiental dos danos causados pela PlusPetrol em decorrência das atividades de exploração de petróleo no Bloco 192. Em reação ao processo fraudulento de Consulta Prévia de 2015, para o contrato de concessão de 40 anos do Bloco 192, as organizações que compõem a PUINAMUDT promoveram em 2019 a campanha ‘Consulta Prévia #SemArmadilhas’ (Consulta Previa #SinTrampas), dirigida ao Estado peruano. A campanha exigia a participação efetiva das comunidades das Quatro Bacias no processo de Consulta Prévia baseado no Plano de Consulta elaborado pela plataforma – requerendo que o processo de consulta fosse realizado no território e não em Lima ou Iquitos, onde a comunidade não poderia participar – enquanto apresentava propostas a serem incluídas como requisitos para a concessão do Bloco para extração. A campanha contou com programas de rádio que foram transmitidos nas comunidades, bem como com folhetos informativos sobre suas demandas. Finalmente, a PUINAMUDT promove a campanha #AmazôniaSã (#AmazoníaSana), que procura dar informações sobre os danos causados pela presença de altas concentrações de metais pesados na água, nos peixes e no solo. A campanha exibe faixas de metal que, com o slogan “O Metal não machuca, os metais pesados, sim” (El Metal no daña; los metales pesados, sí), ajudam a divulgar para um público mais amplo as violações sofridas pelas comunidades das Quatro Bacias, ganhando a solidariedade de diferentes públicos.
Folheto da campanha Consulta Prévia #SemArmadilhas (PUINAMUDT, 2019)
Monitores indígenas se esforçam para conter um vazamento de petróleo (El Comercio, via Associated Press 2016)
  • Além disso, a PUINAMUDT é membro da organização nacional indígena amazônica peruana ‘Associação Interétnica de Desenvolvimento da Floresta Peruana’ (AIDESEP); suas organizações regionais Organização Regional dos Povos Indígenas do Leste (ORPIO) e Coordenadoria Regional dos Povos Indígenas de San Lorenzo (CORPI-SL), na região de Loreto, no norte da Amazônia peruana. Integra, também, a Plataforma Nacional de Pessoas Afetadas por Metais, Metaloides e Outras Substâncias Químicas (Plataforma Nacional de Personas Afectadas por Metales, Metaloides y Otras Sustancias Químicas). Além do mais, como autoridade pública, a PUINAMUDT mantém comunicação, coordenação e espaços de acompanhamento com a Defensoria do Povo, em questões relacionadas com toda a agenda de diálogo mantido com o Estado.  Outras instituições relevantes também fazem parte do processo aberto pela PUINAMUDT e têm participado em diferentes níveis devido a sua especialização, transparência e perfil institucional reconhecido, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), entre outras.
  • Incidência internacional: a falta de ação ou a reparação insuficiente em nível nacional leva a plataforma a buscar apoio internacional, de modo que mecanismos internacionais, baseados em regulamentos e acordos dos quais o Peru é parte, possam pressionar governos e empresas que causam danos socioambientais. Em abril de 2017, a PUINAMUDT com apoio da Perú Equidad apresentou uma denúncia ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (CESCR), por ocasião de sua 61ª sessão. A denúncia buscava uma resposta da Holanda em relação às ações da PlusPetrol Resources, sediada em Amsterdã, na região dos Blocos 8 e 192. A reclamação baseou-se nos Princípios de Maastricht (2011) que, entre outras medidas, determinam que os Estados devem tomar as medidas necessárias para garantir que as empresas com sede em seu país não violem os direitos econômicos, sociais e culturais em países terceiros. Em 2019, as federações indígenas da plataforma PUINAMUDT, com acompanhamento técnico e jurídico de CNDDHH, CAAAP, Perú Equidad e Oxfam, denunciaram a crise sanitária e ambiental em suas comunidades em uma audiência pública na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Além disso, em março de 2020, as federações das Quatro Bacias apresentaram uma reclamação ao ponto de contato do governo holandês na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A denúncia alega que a PlusPetrol violou várias das diretrizes da OCDE – que a empresa não previu nem reparou os danos causados pela poluição por petróleo no Bloco 192, que afetou as fontes locais de água e alimentos, bem como a saúde e o bem-estar de cerca de 25.000 pessoas. Finalmente, segundo o documento, a empresa montou uma estrutura corporativa de alta complexidade utilizando paraísos fiscais para driblar o controle fiscal e ocultar as pessoas jurídicas e os proprietários. A queixa à OCDE foi assinada por FEDIQUEP, FECONACOR, OPIKAFPE e ACODECOSPAT, assim como por instituições da sociedade civil do Peru e da Holanda, como a Perú Equidad, o Centro de Investigação de Empresas Multinacionais (SOMO), a Oxfam Novib e a Oxfam no Peru, entre outras. Em março de 2021, a denúncia foi formalmente aceita pela OCDE.

3.3. Benefícios: valor agregado e impactos do caso

  • Unidade das federações no decorrer do tempo: um dos principais resultados obtidos nestes 10 anos de organização, luta e ações de demanda e diálogo com o Estado foi a consolidação da plataforma PUINAMUDT como um espaço de consenso e unificação das comunidades que representa. Este marco é particularmente importante dada a diversidade de culturas compostas de quase uma centena de comunidades de diferentes nacionalidades em uma vasta área territorial, que consegue permanecer unida e fortalecida em favor da defesa de seus direitos e da preservação da floresta saudável. Nesta linha, a plataforma apresenta uma representação consolidada de mãos dadas com as comunidades, em uma relação de confiança, já que a pauta proposta pela PUINAMUDT reflete, de fato, as demandas das comunidades das Quatro Bacias.
  • Governabilidade e participação indígena: embora ainda existam muitos desafios para a plena realização de seus direitos e a devida reparação de empresas como PlusPetrol, Petroperú, Frontera Energy, e outras, pelos danos causados, a mobilização das comunidades e os processos de diálogo com o Estado peruano liderados pela PUINAMUDT na última década garantiram a presença e a participação dos povos indígenas nos mecanismos e na agenda do Estado, através de suas próprias propostas inovadoras sobre as medidas a serem tomadas pelo Estado para que haja justiça e reparação no estrito cumprimento dos direitos indígenas. A participação indígena nesse processo foi alcançada por meio da mobilização territorial, da incidência específica e do diálogo constante da PUINAMUDT, demanda após demanda contra o Estado, que apesar de reconhecer a dívida histórica com estes povos, e até mesmo pedir desculpas às comunidades pelos danos causados, não demonstra uma mudança real, profunda e sustentada nessa relação histórica baseada na violação de direitos e em conflitos periódicos. Nesse sentido, embora os acordos sejam afetados quando há mudança de governos e gestores, a PUINAMUDT conseguiu propor e manter a agenda, preservando a pressão e a continuidade dos processos, com marcos importantes como o reconhecimento do direito a um novo processo de Consulta Prévia para a concessão do Bloco 192, apesar da recusa inicial do Estado em realizá-lo. Esse benefício não se limita à PUINAMUDT e se estende a outras comunidades e organizações indígenas, pois, em certa medida, configura um precedente para a participação de representantes indígenas em processos políticos que expressam seu direito, e embora este seja um direito reconhecido por tratados como a Convenção 169 da OIT, da qual o Peru é signatário, nem sempre ele é observado na prática. Acima de tudo, além dos benefícios para as populações indígenas do Peru, o próprio Estado se beneficia, já que a incidência e a negociação política promovidas pela PUINAMUDT ensinaram ao Estado mecanismos para a elaboração de políticas públicas que foram concretizadas na prática, com realizações até hoje. Por exemplo, os novos padrões de qualidade ambiental (2014); a Lei 30.321 (2015); ou o Modelo de Atendimento de Saúde Integral e Intercultural (2017), que efetuado como resposta à situação crítica enfrentada pelas comunidades devido à poluição por petróleo, tem servido como um dos modelos para o desenvolvimento do Plano Indígena de Covid-19 formulado pelo Estado peruano em 2020.
  • Fortalecimento do papel dos monitores ambientais: o papel dos monitores ambientais surgiu em reação à falta de fiscalização adequada e avaliação dos danos causados pela poluição por hidrocarbonetos. Nos últimos quinze anos, as equipes de monitores territoriais se multiplicaram nos territórios das bacias e ganharam reconhecimento das agências estatais, desempenhando um papel fundamental na vigilância territorial e ambiental. A independência de seu trabalho contribui para que as comunidades estejam sempre informadas sobre o que está acontecendo nos territórios e, como os monitores são membros das comunidades, elas têm confiança nos dados coletados, o que não é o caso dos dados apresentados pelas empresas ou pelo Estado. Ainda é necessário avançar em mecanismos para a proteção integral das ações dos monitores, além de medidas mais amplas de reconhecimento que consigam subsidiar seu trabalho.

4. Linha do Tempo


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